Lost in Tuscany
Ela descia uma das milhares de vielas em Toscana, o vestido branco leite roçava em suas pernas e contrastava com a imensidão de verde que a rodeava. Arrisquei uma espiada em seu rosto, seu olhar estava fixo no horizonte azulado, provavelmente na tentativa de disfarçar a dor que já dominava suas pernas, mais uma vez ela saiu com um de seus pares de saltos finos, mas mesmo consumida pela dor óbvia, ela caminhava como uma bailarina pelo paralelepípedo. Por um breve momento pensei em me materializar para salvá-la daquela descida íngreme, mas, isso acabaria com aquele espetáculo visual. Além do que, ainda não havia anoitecido e eu não queria ser pego em flagrante infringindo uma das principais regras nos mandamentos dos anjos por algum puxa-saco em serviço no local.
Nós, os anjos da guarda, geralmente fazemos nossas vigias durante o dia, levando em conta que a maioria dos seres humanos costumam ter uma noite tranquila, a qual não há a necessidade de cuidados extras. Exceto pelos estúp...digo, distraídos, que acidentalmente caem no chuveiro ou então que quase decepam um de seus dedos ao preparar o jantar.
Mas Sophie. Ah...minha Sophie. Ela sempre se diferiu dos demais. Antes de finalmente tê-la abordado, eu passava noites a fio observando-na em seus rituais diários. As noites que passava em claro perdida em suas leituras, as tantas vezes que chorava sozinha ao final de um filme romântico. Mas as noites em que eu mais sofria, eram as em que ela acordava em meio a gritos após um pesadelo, minha vontade era de envolvê-la em meus braços e acalentá-la, mas sempre tive que me esconder nas sombras e vê-la encolhida em sua cama, estremecida.
Mas dias como os de hoje são meus favoritos, principalmente quando o ressoar de sua voz doce invade meus ouvidos enquanto ela cantarola. Atrevi uma aproximação, sorrateiro para que ela não notasse a minha presença - depois de tantos encontros às escuras, ela tornou-se perita em sentir minha energia - respirei fundo, absorvendo cada mililitro de sua fragrância absurdamente doce e extasiante. A medida que seu perfume me entorpecia, eu observava o contorno de suas costas, as curvas perfeitas de sua cintura, e os cabelos loiros envoltos em um rabo de cavalo que suavemente acariciavam seus ombros nús. Observá-la dessa forma sempre resultou em alterações significantes em meu corpo, tais sensações são apenas decorrentes em anjos como eu, que não conseguem cumprir suas tarefas profissionalmente. A primeira lição que nos é dada é: "Nunca, em hipótese alguma, entre em contato com seu protegido", eu falhei. Como poderia não falhar?
Ah, como eu a quero. Meus olhos escanearam ao meu redor, meu radar indicava que a região parecia livre de outros imortais, então, em um ímpeto, me materializei em sua frente. Não pude conter o riso ao ver sua reação, os olhos arregalados de susto. A envolvi em meus braços, sufocando qualquer palavra que ela pudesse proferir com um beijo.
Ela estava relutante mas logo se entregou, como sempre fazia. Uma de suas mãos acariciava minha nuca enquanto a outra deslizava de forma exploradora por minhas costas, eu sabia o quanto ela adorava tocar meu corpo, talvez por ser a única forma de saber que tudo aquilo de fato acontecia. Apertei-a com força e a ergui do chão para igualar nossas alturas. As bocas sempre se encaixaram perfeitamente e era como uma droga que eu não conseguia abandonar.
E foi então que algo forte me arrancou de seus braços brutalmente, uma espécie de imã me sugava em direção ao céu, para longe dela. Foi tão repentino que a vi espatifar-se ao chão, suas mãos cobriam o joelho arranhado pela queda e parte do vestido branco estava levemente manchado com sangue. Tentei lutar contra o que me puxava mas fora em vão. Havia chegado minha hora? Meus atos haviam sido descobertos e eu estaria prestes a me tornar um anjo caído? Não! Não posso abandoná-la. Enquanto eu era arrastado, mantive meus olhos fixos nela, que também me encarava, e mesmo tão longe, pude ver as lágrimas em seu rosto e não pude conter as de caírem no meu, ambos sabíamos que havia chegado nosso fim.
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