A senhorinha...
Já eram 8 horas da noite, mais uma aula havia chegado ao fim, e apesar de estar contente por saber que era hora de ir pra casa, estava também preocupada depois de receber uma ligação da minha irmã chorando.
Enquanto recolhia o meu material da mesa do meu aluno, a avó dele surge pelo corredor, andando em passos curtos, esfregando as mãos meticulosamente e com um sorriso imenso estampado em seu rosto. Um sorriso tão bonito e tão puro que imediatamente me contagiou e me fez sorrir também e, antes que eu pudesse profrerir qualquer palavra, ela se adiantou e disse que ficou quietinha na sala, escutando a nossa aula e, escondendo a emoção por detrás daquele sorriso, ela me contou como nunca pôde estudar, seus pais a proibiam, pois, na visão deles, as mulheres deveriam aprender apenas as tarefas da casa, e mesmo sabendo que uma mulher estudando era uma ofensa para a família, ela escondia os livros na gaveta de uma cômoda no quarto e os lia escondido, e embora seu pai quase sempre a pegasse no flagra e a punia severamente, ela nunca abandonava seu sonho. E com um certo embaraço, ela me contou que resolveu voltar a estudar depois dos 60 anos, se matriculou na 5ª série, não se importando com o fato de que estava em meio à vários jovens, e passava horas a fio revisando tudo o que via na escola, principalmente sobre geografia, que era sua matéria predileta.
Mas infelizmente, por culpa dos acasos da vida, ela foi obrigada a abandonar os estudos no fim da oitava série, e embora ela quisesse ter chegado ao fim, se sente feliz em poder ter ido tão longe e aprendido tanto. E hoje, mesmo longe da sala de aula, ela ainda se senta, dia após dia e, sem esforço algum, se perde em livros e artigos, procurando sempre aprender mais.
No fim da nossa conversa, ela me disse que gostaria de poder voltar a estudar e terminar o colegial, que vez ou outra ela tromba com seus colegas de classe na rua e sente uma falta imensa de toda aquela diversão misturada com pressão que existia na escola e que ela fica extremamente feliz em ver a oportunidade que as crianças e adultos tem hoje em dia, embora quase sempre a desperdicem.
E quando finalmente entrei no carro pra voltar pra casa, pensei no quanto a gente se preocupa com um monte de coisas insignificantes enquanto o único desejo da doce senhorinha é poder estudar. Sad, isn't it?
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