A caixa de Pandora
É engraçado como nossas mentes são traiçoeiras as vezes. Quando quer que algo dê errado ou que estejamos tristes, nossas mentes imediatamente ativam um botão em nosso cérebro, que chamarei de "a caixa de Pandora".
Quando estamos felizes e com nossas vidas caminhando exatamente da forma como planejamos, nós sabemos que a caixa de Pandora está lá, mas é como saber que alguém está vendendo sorvete na rua. É tentador, pensamos nisso, mas o trabalho pra ir até lá e pegá-lo é demais, então nos livramos do pensamento e o substituímos por outra coisa. E então, assim que o pensamento evapora, tudo volta ao seu estado de quase perfeição, de uma forma que vc teme, porque para vc - o ser humano mais negativo do planeta - muita felicidade indica que algo ruim está para acontecer e, mesmo que todos ao seu redor lhe digam que é exagero e que não há o que temer, vc ainda espera pelo pior. É como se houvesse um radar dentro de vc, bipando e avisando que um furacão está a caminho, e ele vêm. E quando vem, é devastador e excruciante. Mas, vc não é mais uma criança, já enfrentou fases tempestuosas antes e assim como as outras vezes, deixa ela entrar, cai, e espera pelo momento em que poderá levantar e voltar a andar novamente, mas, nesse meio tempo, algo em sua mente te lembra da caixa de Pandora, aquela que vc mal se lembrava três ou quatro dias atrás. Ela está brilhando e vc não se lembra de tê-la visto brilhando assim antes, é como se as forças do universo tivessem feito-na ainda mais bela e atraente, no intuito de garantir sua aproximação.
E então vc olha para ela. Minutos, horas. Olhar para ela a faz lembrar da vida que vc tinha, e de que vc poderia tê-la de volta. Te inunda com sensações de prazer, te fazendo crer que não se sentiria mais sozinha, que não haveria mais dor, lágrimas ou sensações ruins. E nessa profundidade dos seus pensamentos, a caixa já está quase falando sozinha, pra lhe dizer que vc deveria abrí-la e reviver tudo o que vc deixou morrer. E culpa é a única palavra que se repete ininterruptamente em sua cabeça. Sua culpa, sua culpa!
Vc dá alguns passos em direção a caixa, olha para seus tantos detalhes que o tempo a fez esquecer. O tamanho, o cheiro, os pequenos desenhos no topo e nas laterais, tudo parecia inexplicavelmente encantador e então, vc estende o braço e o repousa em cima da caixa. Nesse ponto, vc está quase convencida de que deveria realmente abrí-la, não há mais razões para mantê-la fechada, tudo o que há dentro dela a faria sorrir novamente, mas, uma rajada de vento vinda só Deus sabe de onde, a faz cambalear para trás, até atingir uma parede. Vc encosta nela, ainda olhando fixamente para a caixa e agora se perguntando o que acabou de acontecer e, como uma iluminação, tudo volta em sua mente, como em um filme. Como se alguém tivesse acabado de apertar "play" em algum lugar dentro do seu cérebro. Vc permanece ali, imóvel, assistindo àquelas cenas internamente.
Após longas horas de revelações, o filme para. Vc olha para a caixa novamente e ela parece brilhar com mais força agora. Vc dá alguns passos em sua direção novamente e ao se aproximar, gentilmente acaricia seu topo com as mãos e em uma fração de segundo, a chuta, com tanta força que a caixa é arremessada para o outro lado da "sala", se choca contra uma parede e cai dentro de um buraco ao lado dela. Vc corre em sua direção, imaginando se ela poderia ter quebrado e então vc vê seu brilho distante dentro daquele buraco escuro e respirando fundo, vc se afasta. Seu coração acelerado dentro de seu peito, as lágrimas escorrendo por sua face, e a constatação de que a caixa está fora de alcance. Vc sabe que ela está lá, sabe que ela sempre estará lá, mas que nunca mais irá tocá-la. Nunca mais.
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